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  • Mariana Scherma

Discriminação racial no Brasil: por que precisamos encará-la de frente

Dia 21 de março é o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial e o Brasil ainda precisa evoluir muito nessa questão. Vamos nessa?


Você já deve ter ouvido alguém dizendo que o Brasil não é um país racista. Muito provavelmente quem disse isso não era negro e tampouco se deu ao trabalho de conversar com negros e perceber a realidade. E olha que não faz nenhum sentido o Brasil ser um país com preconceito racial – até porque 54,9% da população brasileira se declara negra ou parda (dados do IBGE). Mas o preconceito existe e está em todo lugar. E o #DescubraSuaVoz acredita que falar e expor a realidade ajuda nesse caminho – que é longo! Mas vamos nessa!


Quem disse que no Brasil não existe discriminação?

Se alguém anda falando isso por aí, melhor repensar e conferir alguns dados. No último levantamento feito pelo IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), foi constatado que apenas 56,8% da população negra completa o Ensino Médio entre 15 e 17 anos. Esse dado muda bastante se comparado com a população branca: 82% deles, entre 15 e 17 anos, terminam o Ensino Médio.


Lembrando que esse dado não reflete uma simples desistência da escola. E, sim, indicam o fato de que, por serem mais pobres, precisam trabalhar para ajudar em casa. E mais um dado pra pensar aí: entre os 10% mais pobres da população brasileira, 78,5% são negros, contra 20,8% que são brancos. Já entre os 10% mais ricos, a situação se inverte: 72,9% são brancos e 24,8% são negros (de acordo com dados do IBGE).

E não para por aí: segundo o Atlas da Violência de 2016 (último ano com datas definidas), a taxa de homicídios de indivíduos negros cresceu 23,1% em relação a de homicídios de indivíduos não negros diminuiu 6,8%.

Se você ainda precisa de mais dados, nós temos: de acordo com um relatório da ONG Oxfam, em 2015, brancos ganhavam, em média, o dobro do que ganhavam negros: R$

1.589 em comparação com R$ 898 por mês. Ainda segundo a Oxfam, se mantido o ritmo de inclusão de negros notado nesse período, a equiparação da renda média com a dos

brancos ocorrerá somente em 2089.


Por que essa diferença?

A diferença entre renda e escolaridade não é de agora. Podemos falar em dívida histórica nesse caso. E que dívida gigantesca: estamos falando sobre a escravidão. Mesmo após a abolição desta, nada foi feito no sentido de fazer com que os ex-escravos pudessem trabalhar em condições mais dignas ou tivessem chance de estudar. O antropólogo Darcy Ribeiro afirma: “a luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi, e ainda é, a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional”. As cotas em universidade têm a ver com essa dívida histórica. Enquanto não houver igualdade, precisamos das cotas.


Racismo em entrevista de emprego

“Há muitos anos, numa seleção de emprego, o rapaz disse que havia gostado muito do meu currículo, mas que eu precisaria alisar meu cabelo para encaixar no perfil. E olha que na época meu cabelo nem era natural, eu fazia relaxamento”, conta Titta Santos, cabeleireira especialista em cabelos crespos e cacheados. Se você parar pra pensar, vai ver que a aceitação dos cabelos crespos e cacheados é recente. Até os anos 1990, mal existiam produtos para valorizar o crespo.

Já Tatiana Camargo, que é psicóloga, não se sentiu impedida de conquistar algo, mas sentiu a necessidade de provar sua capacidade: “É comum os olhares de dúvida que as pessoas colocam sobre você e seu potencial. Me sinto numa constante sensação de que devo ser aprovada por uma sociedade que parte do princípio de que, devido à sua cor de pele, automaticamente ‘você não é bom’”, diz.


Racismo nas relações interpessoais

Tatiana é casada com um homem branco e esse fato parece não ser tão fácil de algumas pessoas encararem. “Meu marido é branco, de origem completamente diferente da minha. Durante nosso relacionamento, me vi inserida em situações de preconceito e sob olhares de desaprovação. O interessante é que esses olhares eram direcionados a mim, como se eu fosse uma intrusa ocupando um lugar que não era para ser meu. Já ouvi comentários de pessoas que entendiam o meu relacionamento como uma ‘alavanca social’ e o meu parceiro com um ‘benfeitor’. E a partir do momento que eu estou inserida nesse ambiente surge uma invisibilidade. As pessoas a atravessam como se, de fato, você não estivesse ali. As palavras nunca chegam a você, os garçons nunca chegam em você, os cumprimentos nunca chegam a você”, conta.

Titta também relembra um dos fatos mais chocantes da sua adolescência: “Parei na frente da casa de um amigo e ele pediu para eu não entrar porque o vô ia ficar bravo em me ver porque ele era racista. Foi chocante!”.


O cabelo que você quiser

Se há alguns anos, o padrão era alisar o cabelo. Hoje, a aceitação do fio crespo e cacheado é um fato e bastante consolidado. Às vezes, até imposta e é essa questão que Tatiana também levanta: “hoje é forte a cobrança de que o negro seja cada vez mais parecido com as referências afro (cabelo, postura, roupas, vestimentas, etc.), como se tal postura o tornasse mais ou menos negro”. E complementa: “Se uma mulher negra se enxerga com seu cabelo alisado nos dias de hoje, pode ser vista por muitos (negros e brancos) como alguém que não aceita sua própria raça”. Nesses casos, não dá pra esquecer que cada um tem a liberdade de ser como bem quiser.



Ainda falta muito

O fato de o preconceito racial ser mais discutido é um avanço, mas o caminho ainda é extenso. “Os movimentos estão crescendo, o diálogo sobre o tema é frequente e isso já é um superavanço. Há pouco tempo o racismo era encarado como ‘tabu’ ou ‘assunto desnecessário’, visto que para muitos a sociedade racista é ilusão. O que estamos vivenciando, e pode parecer retrocesso, é a rejeição, a revolta e o discurso do ódio. Mas isso sempre existiu, porém de forma velada”, diz Tatiana,

Para Titta, “as pessoas estão bem confortáveis em expor seu racismo, mas chamam de opinião. Em contrapartida, os negros hoje têm voz e não mais se calam. Hoje nós combatemos o racismo de frente. O maior avanço é nosso poder de fala e perceber que podemos ocupar o lugar que quisermos”, diz ela.


O que fazer?

Debater o racismo sempre é necessário, assim como lembrarmos de nossa dívida que data da época da escravidão. A luta contra o racismo é diária e de todo mundo, não importa a cor da pele. Qualquer momento é válido para sensibilizar as pessoas ao seu redor sobre a importância do combate ao racismo e oferecer ajuda para orientar quem ainda não entendeu o quanto é errado julgar alguém pela cor da pele.

“Vejo que precisamos aprender a nos incomodar ainda mais, debater, discutir sobre o preconceito, privilégios e naturalização do racismo. A sociedade precisa deixar o negro falar, respeitar seu lugar de fala. É muito tempo de silenciamento de pessoas que não querem mais ser representadas por outros que não tiveram as mesmas vivências”, fala Tatiana.

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